Paula Santoro, Laisa Stroher, Paula Victoria de Souza, Henrique Canan, Raquel Rolnik*

O projeto de lei do Projeto de Intervenção Urbana para o Setor Central votado ontem à noite na Câmara de Vereadores de São Paulo, que substitui a antiga Operação Urbana Centro, é uma farsa. Em vez de enfrentar os desafios do centro, o PL apenas cria uma frente de destruição e promoção imobiliária, disponibilizando terra e direitos de construir públicos sem contrapartidas ou recuperação de recursos que possibilitem a transformação urbana necessária nesse território popular.

É consenso que o Centro de São Paulo necessita de intervenções urgentes e melhorias urbanas, tanto para acolher de forma mais digna a população que já vive e trabalha ali em condições precárias, como também para receber novos moradores. Mas desde os anos 1980, quando assistimos a saída das classes médias e altas do Centro e ocorreu sua popularização,  as tentativas e propostas de planos que  foram lançados  pretendem uma transformação urbana radical, com destruição de tecidos históricos  e patrimônios culturais, acompanhada de substituição de população, tentando apagar o fato do Centro ser um território popular, negro, imigrante. Não é dessa transformação que o centro de São Paulo precisa!

O Projeto de lei do PIU SC (PL 712/2020), desde sua primeira versão, já mobilizava recursos públicos – terra, direitos de construir e recursos financeiros – para criar uma nova frente de promoção imobiliária, sem trazer soluções habitacionais e melhorias que dialoguem e respeitem as necessidades de sua população heterogênea de moradores de edifícios, cortiços, pensões e  pessoas em situação de de rua que vivem em proximidade com suas fontes de renda, trabalho e sobrevivência, como já analisamos.

A principal “solução” apresentada era estimular a produção habitacional de mercado através de incentivos, uma reedição da fórmula fracassada da Operação Centro, que gerou uma onda de studios e apartamentos compactos com os preços de metro quadrado mais caros da cidade. São imóveis que servem para abrigar um perfil restrito de moradores de classe média (solteiros, casais, estudantes) e novos negócios de aluguéis temporários (airbnb e similares), ignorando a diversidade social e de demandas habitacionais da cidade.

Lançamentos residenciais na região do PIU Setor Central entre os anos de 2006 e 2019. Em azul, mancha ponderada pelo número de unidades habitacionais lançadas, em amarelo, os projetos estratégicos que contém imóveis públicos. Fonte de dados: EMBRAESP, Geosampa e Google. Elaboração: Henrique Giovani Canan, 2022.

Já criticávamos o mecanismo proposto que oferecia muitos incentivos ao mercado imobiliário, gerando recursos pífios no fundo público para fazer as intervenções habitacionais e outras anunciadas (diga-se de passagem, nunca esteve escrito no projeto de lei a quantidade de novas moradias/soluções habitacionais a serem produzidas, mas isso é outro tema). E agora, pasmem: o projeto votado também ZERA a contrapartida financeira que seria cobrada das construtoras em grande parte da área! Isso significa que não haverá recursos para nenhuma transformação urbana prevista. Um plano cujos objetivos de interesse público não serão atingidos, uma farsa!  Além disto o  projeto incentiva e subsidia demolições, na contramão de um plano de reabilitação desta área, com uma enorme densidade patrimonial cultural e histórica da cidade. Então para quê serve este plano? 

Mais uma vez, para abrir uma frente para o complexo imobiliário financeiro, por meio da chamada solução final: eliminar física e materialmente as formas de vida (e dos espaços que as abrigam) que não cabem no modelo de cidade definida por e para os desejos de rentabilidade dos capitais que nele desejam investir.

*Professora da FAU-USP e coordenadora do LabCidade; Professora da FAU-UFRJ; Graduanda em Arquitetura em Urbanismo na FAU-USP;  Graduando em Arquitetura e Urbanismo na FAU-USP; Professora da FAU-USP e coordenadora do LabCidade;