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Anhembi. Foto: divulgaçao/SPTuris

Silvio Oksman*

O arquivamento do processo de tombamento do Parque Anhembi, em outubro de 2017, pelo Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo (CONPRESP), levanta algumas discussões importantes sobre o reconhecimento de patrimônio cultural. Quais os valores que podem e devem ser considerados para que um edifício receba a chancela de patrimônio cultural? Quais critérios podem ser utilizados para o tombamento ou não de um edifício?

Se durante muito tempo este reconhecimento se dava a partir de valores artísticos e históricos, hoje a questão é mais complexa e demanda outras leituras – sociais, antropológicas etc.

O processo de tombamento do Anhembi foi aberto em 2004, apresentando várias camadas sobrepostas de leitura do conjunto: as soluções de arquitetura e engenharia – inovadoras e inéditas do ponto de vista espacial e construtivo; a importância dos edifícios como marco na paisagem da cidade numa de suas principais vias de acesso, a Marginal do Tietê; e também o significado do conjunto dentro das atividades econômicas de São Paulo.

A cidade que se industrializou e se transformou na “locomotiva do Brasil” passa, na segunda metade do século XX, por uma rápida reorganização industrial e se transforma em uma cidade onde predomina a oferta de serviços entre as atividades econômicas. O Anhembi, seguramente, é o edifício que melhor simboliza este processo: um centro de convenções e um pavilhão de feiras onde essencialmente se trabalha com serviço e comércio. Feiras como a de Utilidades Domésticas (UD), que nos anos 1980 lotavam o pavilhão de público ou os salões do automóvel que desde a inauguração do pavilhão nos anos 1970 fazem parte da história da cidade, absolutamente vinculados ao Anhembi.

Evidentemente, estas questões não se esgotam com facilidade, mas há de se esforçar para compreender todas estas camadas da forma mais abrangente possível.

Por outro lado, argumentos como o mau estado de conservação, falta de documentação, dificuldade de preservação e obsolescência de uso não podem ser motivos para o não tombamento. Pelo contrário, são questões que devem ser consideradas para a construção de políticas de preservação e restauro.

Atribuições de novos usos a qualquer imóvel tombado e especificamente ao Anhembi são ações possíveis e desejadas. A melhor maneira de preservar um edifício é mantê-lo ocupado, com uso.  Se hoje seus edifícios necessitam atualizações, isso se resolve com bons projetos de intervenção, que permitam o uso contemporâneo e conservem a memória que o conjunto carrega.

Cabe ressaltar que o arquivamento do processo de tombamento do Anhembi se deu contrariamente ao parecer da área técnica, que já havia apontado os valores a serem preservados. Mesmo com este parecer, o conselheiro-relator votou pelo arquivamento do processo – ou seja, por nenhum tipo de preservação. Em sua argumentação, ele reconhece a importância do Anhembi, sua relevância histórica e arquitetônica para a cidade de São Paulo, porém, defende que não há necessidade de preservação do conjunto edificado já que este se encontra devidamente documentado na tese de doutorado “Parque Anhembi: a produção de um centro de exposições em São Paulo (1963-1972)”, de autoria de Raissa Pereira Cintra de Oliveira e que a SPTuris é detentora da totalidade dos projetos arquitetônicos e de engenharia. Assim, esta documentação seria suficiente para a preservação da história do Anhembi, tornando prescindível a existência física dos edifícios.

Abre-se, desta forma, um perigoso precedente que pode colocar em xeque toda a política de preservação de patrimônio cultural na cidade: utilizar o argumento de que o conjunto está muito bem documentado e que, portanto, mesmo reconhecendo sua importância, não deva ser preservado leva à conclusão lógica de que não é necessário preservar mais nenhum edifício. Basta estudar e documentar.

Isso abre também a possibilidade de que se promovam destombamentos em grandes quantidades, a partir da mesma lógica, como se a experiência de viver o lugar pudesse ser substituída pela leitura de registros do que ali existiu. O pior é que o relatório foi votado e aprovado por unanimidade entre os membros do Conselho presentes.

Vale lembrar que o regimento do CONPRESP estabelece que bens públicos tombados são inalienáveis. Podem ter gestão privada, mas não podem ser vendidos para particulares. O tombamento do Anhembi inviabilizaria, portanto, uma das principais estratégias da atual gestão da Prefeitura, que é a política de venda de imóveis públicos. Como se pode ver, a decisão do Conselho passou longe das discussões pertinentes ao seu campo de atuação.

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*Silvio Oksman é arquiteto e urbanista, doutor pela FAUUSP, foi conselheiro do CONDEPHAAT (2013 a 2016) e do CONPRESP 2017\\