Fila para entrada em agência da Caixa, em Brasília. Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

O esvaziamento das fontes tradicionais de financiamento habitacional e os impactos da financeirização na política de moradia no Brasil

Historicamente, o Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo (SBPE) tem sido o pilar do crédito habitacional, especialmente para rendas mais baixas. Este sistema foi concebido para mobilizar os recursos da poupança como uma fonte primordial para empréstimos, visando garantir uma fonte permanente de   acesso ao crédito imobiliário. Contudo,  a poupança está em processo de esvaziamento. A razão principal para essa diminuição de recursos é a sua baixa atratividade em comparação com outros tipos de investimento, uma situação que a política monetária atual não tem se esforçado para reverter. Consequentemente, o SBPE terá cada vez menos fundos disponíveis para o crédito imobiliário.

Diante dessa lacuna, a questão central é: qual será a alternativa para substituir essa fonte de financiamento? As informações preliminares sobre a proposta do governo indicam uma direção que pende para o mercado, os bancos privados e a livre negociação. As implicações desse direcionamento são significativas: não haverá mais crédito habitacional com juros controlados, e a correção dos valores não será pela Taxa Referencial (TR), mas sim pela inflação. Essa mudança tornará  a obtenção de crédito imobiliário para a aquisição da casa própria consideravelmente mais inacessível do que é atualmente.

Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS)


A complexidade do cenário é acentuada pela situação do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS). Tradicionalmente, o FGTS tem sido uma fonte crucial de financiamento, sendo inclusive denominado “o santo do milagre brasileiro”. Além do crédito habitacional, o fundo financiou extensivamente a infraestrutura de desenvolvimento urbano, saneamento e expansão da mobilidade. No entanto, o FGTS também está se esvaindo, devido a um aumento nas possibilidades de saque e nas aplicações de seus recursos. Neste contexto é quase inacreditável o anúncio da nova faixa quatro no programa Minha Casa, Minha Vida (MCMV). Que permitirá a indivíduos com renda familiar mensal de até R$ 12 mil adquirir apartamentos de até R$ 500 mil, utilizando, em parte, os recursos do FGTS. Usar o FGTS (um funding mais barato) para rendas mais altas? com o FGTS se esvaindo?.

Em síntese, há uma situação “de ponta cabeça” no financiamento habitacional brasileiro. A interpretação é que essa inversão reflete mais uma vez a hegemonia  capital financeiro e o desejo por juros cada vez mais altos comandando, priorizando a lógica dos ganhos financeiros  em detrimento da acessibilidade à moradia.