Terminal Princesa Isabel, no centro de São Paulo. Foto: IDEC

Por Débora Ungaretti e Carol Heldt*

A concessão dos terminais de ônibus de São Paulo é um projeto que desde 2017 vem sendo desenhado para envolver não apenas os imóveis dos terminais, mas um raio de 600 metros em torno, configurando um projeto urbano a ser aprovado através de um Projeto de Intervenção Urbana – PIU (para saber mais sobre este dispositivo, veja posts já publicados).

Recentemente, iniciativas da Prefeitura buscaram alterar a exigência de elaboração e aprovação de um PIU para cada terminal e reduzir o perímetro da concessão para a sua implantação por meio de uma Parceria Público-Privada – que passou a ser chamada “PPP dos Terminais”, sem discussão, portanto, dos impactos urbanísticos envolvidos. O que está por trás desta alteração do instrumento utilizado?

Terça-feira dia 3 de setembro será o último dia para envio de contribuições à minuta de edital da Parceria Público-Privada dos Terminais de Ônibus do Município de São Paulo, que pretende conceder à iniciativa privada 31 terminais de ônibus, mediante o investimento de cerca de 5,7 bilhões de reais ao longo de 30 anos pela Prefeitura. A concessão administrativa envolve, além dos serviços de manutenção do terminal e a sua requalificação com obras de infraestrutura, a construção de empreendimentos residenciais e não residenciais no espaço aéreo dos terminais, e sua exploração comercial pela concessionária, justificada na PPP como forma gerar adensamento nos Eixos de Transporte, seguindo diretrizes do Plano Diretor.

Fonte: Prefeitura de São Paulo, 2019.

O projeto que está em consulta pública não leva em consideração a própria Lei de Concessões dos Terminais, alterada em 2017 pela Lei de Concessões, no âmbito do Plano Municipal de Desestatização e Parcerias, para ser compatibilizada com o Plano Diretor Estratégico. Apesar de reiterar a autorização para privatização dos terminais, a alteração de 2017 vinculou expressamente a realização da concessão de cada um dos terminais à elaboração e execução de Projetos de Intervenção Urbana (PIU) correspondentes, para a apresentação da proposta de remuneração do concessionário em decorrência de serviços, obras ou ações promovidas no espaço urbano do perímetro de abrangência do terminal.

A rigor, a concessão dos terminais corresponde ao que o Plano Diretor de São Paulo caracteriza como concessão urbanística: projetos que envolvem a remuneração da concessionária mediante exploração de terrenos, de potencial construtivo a ser utilizado no projeto, das edificações destinadas a usos privados que resultarem da obra realizada, da renda derivada da exploração de espaços públicos ou das receitas acessórias. E, nestes casos, as PPPs que resultam em impactos urbanísticos para a cidade de São Paulo devem seguir os procedimentos do marco regulatório da política urbana para a concessão urbanística, por meio de PIUs: a elaboração de estudos que justifiquem o projeto pretendido, consultas públicas e autorização legislativa específica, e, ainda, o controle de sua execução por um conselho gestor paritário.

Inicialmente os PIUs dos Terminais estavam sendo propostos, pela Prefeitura, em conjunto com a proposta da PPP. Em julho de 2017, foi elaborada uma primeira proposta para uma experiência piloto de concessão dos Terminais Municipais de Ônibus Capelinha, Campo Limpo e Princesa Isabel, visando não só a requalificação e operação do terminal, mas também do espaço urbano do seu entorno imediato, envolvendo a exploração comercial, direta ou indireta, de uma área de abrangência de 600m em torno dos terminais. Em agosto do mesmo ano, foi feito o lançamento de um chamamento público para elaboração de estudos de modelagem para a concessão de 24 terminais, bem como para a proposta de ordenamento ou reestruturação urbanística, em cujo edital todos os elementos da proposta são considerados objetos de proposição da iniciativa privada interessada no seu desenvolvimento: o programa de interesse público, a finalidade da proposta e os instrumentos urbanísticos de sua viabilidade.

Logo na sequência, em outubro de 2017, foi aprovada a Lei de Concessões, que subordina a concessão de cada terminal à projetos de intervenção urbana elaborados pelas concessionárias, que passam a ter o poder de implementação do projeto urbano diretamente ou em parceria com o poder público. Em contrapartida, há também o poder de explorar comercialmente tanto as áreas do terminal como seu espaço aéreo, e os imóveis localizados no território de entorno definidos como passíveis de transformação pelo instrumento do PIU. Em janeiro de 2018, um decreto regulamentador dos PIUs dos Terminais equiparou os empreendimentos residenciais e não residenciais, voltados à exploração de atividades consideradas receitas acessórias no âmbito das concessões dos terminais, à equipamentos públicos de transporte. Com isso, garantiu a possibilidade de revisão e alteração dos parâmetros urbanísticos sem necessidade de aprovação de lei.

Em abril deste ano, depois de diversos questionamentos pelo Tribunal de Contas do Município, o edital de licitação piloto, referente ao Terminal de ônibus Princesa Isabel foi suspenso. Em maio, o Prefeito Bruno Covas enviou projeto de lei que desvincula a concessão dos terminais de projetos de intervenção urbana.

O edital relativo ao Terminal Princesa Isabel foi por fim revogado no dia 03 de agosto, data de início da consulta pública da minuta de edital da nova PPP dos Terminais. O projeto passou a abranger os 31 terminais de ônibus e deixou de se vincular expressamente a PIUs, excluindo as áreas de 600 metros do entorno dos terminais. Embora a tentativa seja de afastar qualquer enquadramento como PIU, é evidente que a implantação e exploração comercial de empreendimentos residenciais e não residenciais em áreas públicas tem impactos urbanísticos, e portanto, deve se submeter às exigências do Plano Diretor.

De forma concreta, os PIUs não tiveram continuidade, enquanto a PPP sim – o que isso significa?

Já nos posicionamos diversas vezes criticando não só o processo de participação pro forma que vinha sendo feito na elaboração dos PIUs, inclusive nos dos Terminais, mas também o uso do PIU destinado a operar o planejamento e a produção da cidade a fim de obter maior rentabilidade nas transformações urbanas mediante à concessão do espaço urbano. Como resultado, a promoção do avanço de frentes de expansão do complexo imobiliário-financeiro em diversas áreas da cidade.

Este processo licitatório agrava a situação ao buscar a mesma finalidade, mas com procedimentos menos rigorosos. Como está se modelando, a PPP para os Terminais trata do mesmo objeto, que, apesar do perímetro reduzido, inclui a concessão do espaço urbano e a sua exploração visando maior rentabilidade, mas já sem considerar qualquer necessidade de refletir sobre essas propostas em um projeto urbano a ser discutido publicamente.
Um dos objetivos da simplificação dos procedimentos e da tentativa de descaracterização da proposta como concessão urbanística pode ser despistar as resistências que essas propostas apresentam. Isso certamente revela o risco – e portanto a força – que a participação democrática na elaboração de projetos urbanos representa para a modelagem das propostas de concessão: e se a população quiser outro projeto de cidade?

* Doutoranda na FAU-USP, pesquisadora do LabCidade; doutora pelo IAU USP, com a tese Concessa Venia: Estado, Empresas e a Concessão da Produção do Espaço Urbano.