Aluizio Marino, Benedito Roberto Barbosa, Débora Ungaretti, Guilherme Lobo, Isabella Alho, Julia do Nascimento de Sá, Larissa Gdynia Lacerda, Raquel Rolnik, Renato Abramowicz, Talita Anzei Gonsales, Ulisses Alves de Castro*

No primeiro trimestre de 2021, referente aos meses de janeiro, fevereiro e março, momento de crescimento da chamada segunda onda da pandemia, observamos que, assim como os casos de contágios, hospitalizações e morte por covid, cresceu também o número de famílias e indivíduos que perderam suas casas em função de remoções coletivas. Seguindo a tendência identificada nas últimas atualizações trimestrais, de janeiro a março de 2021 mapeamos 49 novos casos envolvendo remoções e ameaças que ocorreram principalmente na Região Metropolitana de São Paulo, incluindo dois casos no interior do estado, um no município de Ribeirão Preto e outro em São José dos Campos. Dentre os 49 casos, 10 foram remoções, sendo 6 remoções totais – ou seja, de todo o assentamento – e 4 de remoções parciais, restando ainda outras famílias ameaçadas na área. Os outros 39 casos são referentes a novas ameaças de remoção, e portanto, áreas em que as famílias podem sofrer remoção a qualquer momento. Sendo assim, apenas durante os primeiros três meses de 2021, 354 famílias foram removidas e 8463 encontram-se ameaçadas de remoção.

Em comparação com o primeiro trimestre de 2020 (período em que a epidemia de Covid-19 estava apenas começando no Brasil), os números chamam atenção – no mesmo período do ano passado, ocorreram 3 remoções e 23 ameaças de remoção. Justamente no período em que as medidas de distanciamento social foram reforçadas para todo o estado de São Paulo, mais pessoas estão sendo retiradas à força de suas moradias sem que seja garantida alguma alternativa habitacional – muito menos uma alternativa que seja definitiva.

Ainda em relação aos 10 casos de remoção, conforme verificado nas últimas atualizações, 6 ocorreram de forma administrativa (extra-judicial), sendo um deles o caso da Comunidade da Paz, localizada em Ribeirão Preto; dois deles (Campos Elíseos, na região central de São Paulo e Jardim Aeroporto, localizado no município de Mogi das Cruzes) tratam-se de desdobramentos de outras remoções ocorridas em 2020 e que seguem ocorrendo de forma contínua. Um outro caso, ocorrido em Cidade Tiradentes, extremo da zona leste de São Paulo, envolveu a remoção de 140 famílias que haviam ocupado recentemente um terreno da Cohab em busca de abrigo, dado o recrudescimento da crise econômica e sanitária, conforme informado na denúncia. Além disso, também foi identificado um caso de remoção administrativa ocorrida na Favela do Sapo, zona oeste de São Paulo, com alegação de impedir novas ocupações na beira do córrego. O último caso de remoção administrativa mapeado foi na Estrada do Soldado, no município de Itapecerica da Serra, em que a Polícia Militar removeu uma ocupação logo em seus primeiros dias.

Em relação às remoções e ameaças no bairro do Campos Elíseos, área central de São Paulo, vale a pena um breve registro pela recorrência com que esses casos têm aparecido nos nossos mapeamentos: nós não sabemos o número exato de pessoas removidas por mais que acompanhemos de perto essa região, desde 2017. Achamos relevante compartilhar essa informação, pois atestam a dificuldade em se obter os números e acompanhar o que acontece mesmo em se tratando “apenas” de dois quarteirões no centro da cidade. Vários elementos ajudam a entender essa falta de informações para além do caráter geral de invisibilização que constituem as remoções: o fato da região ter muitas pensões e não ocupações ou arranjos organizados e coletivos de moradia propicia uma dinâmica mais individual, com vínculos mais frágeis, o que individualiza também as soluções. Assim, às vezes, uma pessoa pode decidir pegar suas coisas e sair, mudar para uma outra pensão, enquanto outra decide esperar e ficar mais um pouco. Pelas ameaças serem contínuas – mesmo que se intensificaram no segundo semestre de 2020 alternando e combinando a pressão do poder público, dos proprietários e dos intermediários sobre os moradores – as saídas se prolongam, se espaçam e se dispersam no espaço e no tempo. Acreditamos que nem a prefeitura tem registrado (e disponibilizado de forma pública) os números certos e precisos, apesar das inúmeras vezes em que foi cobrada a apresentar esse registro.

Ainda em relação às ameaças de remoção identificadas ao longo do trimestre, destacam-se treze casos promovidos pela Companhia de Transmissão de Energia Elétrica Paulista (CTEEP), que figurou como principal agente em relação às ameaças de remoção do trimestre. As justificativas apresentadas se referem ao risco de eletrocussão devido à proximidade das casas às torres de energia elétrica. Em nenhum dos casos, porém, foi verificada oferta de alternativa habitacional para as famílias ameaçadas, algumas residentes no local há décadas. Além disso, boa parte dessas ameaças ocorrem em áreas bem próximas umas das outras, nos arredores da represa Billings, e demarcadas como ZEIS pelo Plano Diretor Estratégico da cidade de São Paulo. A defesa das famílias tem entendido que pode se tratar de uma estratégia da CTEEP de ajuizar várias ações sobre um mesmo território com o objetivo de fragmentá-lo e, assim, otimizar as chances de remoção.

Parte significativa das áreas ameaçadas pela CTEEP estão localizadas no distrito da Vila Andrade, também em áreas próximas ou contíguas. As favelas e comunidades ameaçadas se organizaram em torno da Articulação Vila Andrade, vinculada à Campanha Despejo Zero de São Paulo, que busca aprofundar leituras sobre os processos em curso e garantir o acesso à informação e a defesa das famílias atingidas.

Ao mesmo tempo que os casos de contaminação e morte pela pandemia se agravam, as remoções ganham força, revelando que não estamos diante de um acaso ou mero descuido, mas de uma política de descaso com a vida que encontra na emergência sanitária e social atual uma brecha para fazer avançar e acelerar as remoções. Os alertas realizados pelo Observatório de Remoções desde março de 2020, assim como as articulações e campanhas em que nos somamos, apontam a necessidade de aprovarmos uma moratória de remoções durante a pandemia. Nesse sentido também, as mobilizações em torno da campanha nacional Despejo Zero e as propostas legislativas contra os despejos (como, por exemplo, o projeto de lei nº 146/2020, já aprovado na Assembleia Legislativa de São Paulo mas aguardando deliberação sobre destaques para poder seguir para sanção, e o projeto de lei nº 827/2020, também já aprovado na Câmara dos Deputados em Brasília e que agora segue para aprovação no Senado Federal) se tornam ações estratégicas que precisam de apoio e fortalecimento.

Por fim, o Observatório de Remoções também segue acompanhando processos de remoção de forma longitudinal, sobretudo nos casos em que há a atuação de equipes, o que resulta na busca pela atualização dos processos em curso. Nesse sentido, também incluímos a atualização de cinco casos localizados na Zona Leste de São Paulo, relacionados às obras do PAC 2 – Drenagem Aricanduva, onde as famílias foram removidas pela Prefeitura em 2019, sendo atendidas em parte em um conjunto habitacional, pois os comerciantes não tiveram nenhuma compensação e perderam sua fonte de renda. Apesar disso, recentemente ficamos sabendo que há mais remoções para acontecer nas mesmas áreas, e cerca de 250 famílias remanescentes seguem ameaçadas. Por essa razão, esses casos foram atualizados em nosso mapeamento.

*Pesquisadoras/es do Observatório de Remoções