* Por Aluízio Marino, Débora Ungaretti, Fernanda Accioly Moreira, Isabella Alho, Julia do Nascimento de Sá, Larissa Gdynia Lacerda, Raquel Rolnik,  Talita Anzei Gonsales e Ulisses Castro (Equipe Observatório de Remoções).

Os dados do Observatório das Remoções referentes ao último trimestre de 2019 revelam que este foi o ano em que mapeamos o menor número de casos de remoção no último triênio, com 25 casos registrados no mapeamento. No entanto, embora tenha diminuído o número de casos e também o número de famílias (que somaram 10.441 no ano passado), este foi o ano em que ocorreu a maior proporção entre número de casos e número de famílias. 

O ano de 2019 foi marcado por remoções envolvendo um grande número de famílias. São os casos da Torrinha, onde 1.200 famílias foram removidas de um terreno particular na Zona Norte ocupado desde 2016, e do Córrego do Bispo, em que 2 mil famílias foram retiradas de suas casas, sob a justificativa destas  ocuparem área de risco

Novas ameaças de remoção foram também registradas ao longo de 2019, quando foram incorporados ao mapeamento 77 novos casos de ameaças de remoção. Dentre as várias circunstâncias que constituíram ameaças de remoção, destacamos: as ações de reintegração de posse (62 casos), os casos caracterizados como área de risco (5 casos) – geológico ou estrutural – e aquelas decorrentes de projetos públicos, particularmente das parcerias público privadas de habitação do Estado e Município (3 casos). Por fim, chama a atenção os casos de reocupação de áreas que já passaram por remoções. Nesses casos as famílias são novamente ameaçadas de remoção, em um ciclo vicioso em que não existe nenhum tipo de atendimento adequado aos atingidos por parte do poder público. 

Além do levantamento de dados públicos oficiais, clippings de notícias e matérias jornalísticas e as denúncias recebidas via parceiros e atingidos, este balanço trimestral contém dados que são fruto da parceria entre o Observatório de Remoções e a Defensoria Pública do Estado de São Paulo, em especial às unidades regionais de Santana e Santo Amaro. Essas informações foram estruturadas a partir do levantamento de dados de processos judiciais que refletem conflitos fundiários acompanhados pela Defensoria Pública.

Na região Sul, a partir dos dados fornecidos pelo núcleo de Santo Amaro, foram mapeadas 54 casos, ameaçando a remoção de aproximadamente 21.000 famílias. Entre essas, quase 5.000 famílias estão em terrenos de propriedade da Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano (CDHU) e aproximadamente 6.300 famílias estão em áreas da Empresa Metropolitana de Águas e Energia (EMAE).

Além dos dados fornecidos pela Defensoria Pública, também levantou-se informações acerca destes processos de forma colaborativa junto às comunidades e favelas localizadas na região do Grajaú. Atividades como estas, buscam complexificar dados oficiais a partir do ponto de vista dos atingidos, com o objetivo de formar e fortalecer redes de resistência aos processos de remoção.

Na região norte foram encaminhadas pelo núcleo de Santana informações referentes à 27 processos judiciais relacionados a conflitos fundiários. 16 casos já compunham o mapeamento por meio de outras fontes; dessa forma, foram incorporados os 11 casos restantes dessa leva. Destaca-se as situações em que famílias estão sendo ameaçadas de remoções por ações de reintegração de posse de áreas de propriedade da COHAB, para execução de projetos habitacionais via parceria pública privada, ampliando o número de ameaças decorrentes dessas situações que haviam sido anteriormente mapeadas.

O mapeamento colaborativo das remoções e ameaças de remoções na Região Metropolitana de São Paulo, atualizado trimestralmente pelo Observatório de Remoções, contribui para a compreensão das dinâmicas que provocam e justificam processos de remoção e, também, na comparação entre os casos analisados, identificando os territórios com maior presença de conflitos fundiários. 

Atualmente, três grupos de pesquisa – o Labcidade (FAUUSP), o LabJUTA (UFABC) e o Observatório de Conflitos Fundiários do Instituto das Cidades (UNIFESP) – atuam no levantamento e sistematização dos dados, em parceria com os atingidos e instituições comprometidas com o direito à moradia. A consolidação desses dados no mapeamento evidencia a característica sistemática (e não pontual) das remoções. Esse trabalho contribui para o enfrentamento da invisibilidade destes processos e das frequentes ameaças e violências que os acompanham. O fortalecimento da parceria com a Defensoria Pública é mais um passo importante nesse sentido.